domingo, 8 de novembro de 2009

A Libertina (Trecho)


A vida estava absolutamente normal. Todos os dias Paola fazia quase as mesmas coisas: acordava, tomava um banho, bebia sua xícara de café com pão integral e um pedaço de queijo branco, lavava a louça, vestia uma roupa, se maquiava, passava uma escova nos cabelos curtos, pegava sua bolsa e ia para o metrô a caminho do trabalho. Parecia até música do Chico Buarque. A única variação nessa rotina era a atividade que exercia dentro do vagão: se estivesse sentada lia o jornal ou um livro, se estivesse em pé ouvia as músicas do seu i-pod. Raramente se apercebia das pessoas ao seu redor; olhava todos os rostos, mas não se fixava em nenhum e procurava evitar ao máximo quaisquer tentativas de conversa, usando seus óculos escuros mais como um escudo do que como proteção contra a luz.
Essa manhã não parecia diferente das outras, não fosse pelo vagão quase vazio, poderia dizer que estava na manhã passada. Sentou-se perto da janela que dava para a escuridão, retirou seu Saramago de dentro da enorme bolsa e, sem separar-se do seu indefectível óculos escuros, mergulhou no Don Giovani ou O dissoluto absolvido. Poucas vezes durante o trajeto parava a leitura para ver quem entrava na composição, todos desinteressantes, indignos de mais do que dois segundos de observação. Não que se achasse melhor do que o resto da humanidade, mas estava em uma fase da sua vida na qual não achava ninguém interessante o suficiente para mobilizar suas energias.

Era o efeito colateral de mais um relacionamento fracassado, mais um que tinha ido pelo ralo como água suja. Começou tão promissor...Ele era um cara legal, simpático, inteligente, charmoso, tinha até seus momentos de beleza física, bom de cama, quase perfeito não fosse o ciúme cretino! Desde o início Paola tinha avisado a Caio que não exigia fidelidade e sim lealdade do parceiro, logo se não fazia tal exigência também não admitia que lhe cobrassem fidelidade, certo? Ele, por sua vez, disse que não dava conta de tantas contradições; uma mulher que quer compromisso, mas que ao mesmo tempo não quer perder a liberdade; uma mulher que não sente ciúmes, mas que exige total atenção; que gosta de ficar em casa, mas adora uma balada com os amigos e por aí vai.
Paola detestava essa mediocridade de Caio, essa limitação de ideias, essa mentalidade mono, nunca plural; ele não conseguia entender que um ser humano pode ser vários, era somente uma questão de circunstancialidade. Ela era uma mulher antenada, liberal, aberta ao novo, flexível, isso era da sua natureza e, ainda que não fosse, o seu entorno a faria assim. Sendo publicitária, estava imersa nesse mundo “descolado”, seus colegas de profissão eram pessoas com a mente receptiva a novos conceitos e valores, condição sine qua non para a criatividade.
Enquanto refletia sobre alguns aspectos de seu último relacionamento, se deu conta de que seus olhos se haviam fixado em uma pessoa dentro do vagão, uma mulher que estava sentada na diagonal oposta. Era jovem, cabelos cacheados e avermelhados, pele clara, traços regulares, seios fartos e pernas longas. Poder-se-ia dizer que era atraente, ainda que possuísse uma beleza comum, dessas que se veem pelas ruas. Por que seu olhar tinha ido parar ali? A mulher vestia-se com discrição e sua atitude não chamava a atenção de nenhum homem. Talvez fosse vício da profissão e do seu hobby: a fotografia. Por conta dela aprendera a reconhecer a beleza oculta de objetos, paisagens e pessoas. Um de seus ex-namorados era fotógrafo e tinha lhe ensinado todos os truques dessa arte. Empolgada, Paola comprou uma câmera e saiu clicando tudo ao seu redor. Até que um dia resolveu arquivar as imagens no computador do seu “ex” para liberar a memória da máquina fotográfica e enviá-las para o seu computador por e-mail mais tarde e encontrou uma pasta repleta de fotos pornográficas; passou uma boa parte da madrugada e do sono do seu companheiro vendo aquelas fotografias. Desde então passou a especializar-se em nu artístico.
Nesse momento a composição parou na sua estação. Notou que a mulher se preparou para desembarcar, mas como havia muita gente perdeu-a na multidão que tomou a plataforma. Sendo levada pelo fluxo que buscava a luz do sol, voltou seus pensamentos para a reunião que estava marcada para daqui a meia hora e esqueceu-se da ruiva que captou sua atenção no metrô. Caminhou vigorosamente até a agência, o salto da sandália martelando a calçada. Cumprimentou o porteiro do edifício e se dirigiu para a fila dos elevadores. Qual não foi sua surpresa, depois de ser espremida no fundo do elevador, ao ver a “mulher do metrô” entrando calmamente, segurando um copo descartável de café expresso em uma das mãos, uma barra de cereal na outra, um portfolio pendurado no antebraço esquerdo e uma bolsona marrom no ombro direito. Era até engraçado, parecia um polvo e, ao mesmo tempo, a graciosidade parecia a de uma deusa hindu. Desceram no mesmo andar. Aí já era coincidência demais! Se encaminharam para a mesma porta e finalmente a mulher olhou para Paola; seus olhos eram de um verde quase dourado, deu um meio sorriso e disse:
— Desculpe, sou meio atrapalhada. Será que você poderia abrir para mim?
— Claro – respondeu Paola. – Você veio para a reunião da Storm Kline?
— Isso! Meu nome é Eduarda, Maria Eduarda Silveira.
— Ah, oi! Eu sou Paola Chiavenatto. Nós não falamos na semana passada sobre a escolha do elenco da peça publicitária?
— Exato! Eu sabia que a sua voz e o seu nome me eram familiares.
Foram caminhando pelos corredores da agência.
— Ainda temos quinze minutos. Não quer conversar um pouco na minha sala? Assim você pode terminar o seu café e eu posso fumar um cigarro antes da reunião. – convidou Paola.
— Perfeito.
A sala era pequena, mas bem equipada e confortável. Notebook, multifuncional, DVD, uma tela de plasma na parede, algumas reproduções do Central Park e do Tâmisa, um quadro do Romero Britto sobre uma parede lilás; uma bergère listrada próxima à janela, uma mesa de vidro onde ficava toda a parafernália eletrônica de Paola e um retrato de Caio, um cadeira tipo diretor bem acolchoada e duas cadeiras com estrutura em inox do outro lado da mesa completavam o ambiente. Acomodaram-se. Paola pegou o telefone e pediu que Lena, a secretária, trouxesse a pasta da Storm Kline.
— Aceita? – perguntou Paola oferecendo um cigarro.
— Não, obrigada.
— Você não fuma?
— Fumo, mas não vai dar tempo agora e eu detesto fumar correndo.
— Tem razão, eu também não gosto, mas esse vício já faz parte da minha rotina. E empestear o ambiente é meu esporte predileto, como diz a Leninha, minha secretária. – respondeu rindo.
— Bem-vinda ao clube dos fumantes incompreendidos. – disse Eduarda.
Lena entrou no mesmo instante que o telefone tocou. Colocou a pasta sobre a mesa e ficou esperando Paola atender a ligação. Paola fez um sinal de positivo com o polegar e Lena saiu da sala.
— Oi Raul! Já cheguei e estou com a representante da Storm aqui na minha sala. Certo. Hum, hum. Ok, sala de reuniões em cinco segundos.
— Vamos, Eduarda?
— Vamos.
A reunião transcorreu animada e descontraída. As partes, anunciante e agência, se entenderam muito bem. Algumas ideias foram rejeitadas e outras aprimoradas. Foram analisados vários books, storyboards, textos. Todos os detalhes das peças na TV e na mídia impressa foram alinhavados, ficando para uma outra reunião apenas as peças dos outdoors. Já estavam próximos da hora do almoço.

— Você tem algum compromisso agora? – perguntou Paola.
— Não. Tava pensando em procurar algum lugar para almoçar.
— Ótimo. Que tal almoçarmos juntas? Tem um restaurante bem legal aqui perto e a comida é uma delícia.
— Perfeito. Você é um anjo porque eu não conheço quase nada aqui no Rio e até que encontrasse um lugar para comer já iria jantar!
— Exagero, vai? Tem um Mc Donald’s aqui na esquina.
Riram muito. Pegaram suas bolsas e saíram. Caminharam por duas quadras e entraram no restaurante. Fizeram seus pedidos:
— Boa tarde, Andrade! – Paola cumprimentou o garçom. – Hoje tem aquele salmão grelhado com Ceasar salad que eu adoro?
— Tem sim, Dona Paola. E tá caprichado!
— Beleza! É isso e um suco de laranja sem açúcar e sem gelo, ok?
Virou o rosto na direção de Eduarda e perguntou:
— E você, já escolheu?
— Acho que vou querer um fettuccine aos quatro queijos e uma Coca diet, por favor.
— Copo com gelo e limão? – indagou o garçom.
— Sim. Obrigada.
Paola não pôde conter uma risada. Era surreal a combinação que Eduarda tinha feito, uma massa altamente calórica com uma bebida de baixa caloria. E ela nem era gorda, muito pelo contrário, tinha um corpo perfeito...
— Que foi? Do que você está rindo? – inquiriu Eduarda.
— Da sua combinação gastronômica. Parece coisa de gordo desesperado!
— É para a consciência não ficar tão pesada.
— Imagina! Você está ótima, não precisa de nenhuma dieta, Eduarda.
— Pode me chamar de Duda. E uma mulher sempre precisa de dieta até quando não precisa.
— Fala sério, Duda! Onde você acha que precisa melhorar? Seu corpo é um show!
— Como você sabe que meu corpo é um show?
— Eu tenho olho clínico. Sou fotógrafa nas horas vagas.
— Fotógrafa? Que legal, eu adoro fotografia. E o que você gosta de fotografar? Paisagens?
— Não, pessoas.
— Ah, tipo fotografia de moda, essas coisas?

— Não, tipo Playboy e G Magazine mesmo.
— Sééério??? – Eduarda quase gritou de tão constrangida e nervosa.
— Desculpe. Te choquei, não foi? Às vezes eu esqueço que nem todo mundo encara esse tipo de fotografia com a mesma naturalidade que eu.
— Não, não, não é isso. É que eu nunca tinha conhecido ninguém que trabalhasse com essa área. Pra te dizer a verdade, eu adorei saber!
— Agora é a minha vez de te dizer: Sério? – indagou Paola meio desconfiada.
— De verdade. Você se importaria de mostrar seu trabalho? Se não for muito invasivo, claro.
— Eu não me importo, tudo bem. Mas quanto tempo você vai ficar no Rio?
— Uma semana.
Continuaram conversando. Já tinham ultrapassado, e muito, o tempo do cafezinho. Pediram a conta, que Paola fez questão de pagar, e trocaram telefones.
— Se você precisar de alguma coisa aqui no Rio pode me telefonar, tá?
— Obrigada, Paola.
Na calçada se despediram. Eduarda pegou um táxi para o hotel e Paola voltou para a agência, onde uma pilha de papéis a esperavam, ansiosos por uma análise e uma canetada. O dia ia transcorrendo sem sobressaltos. Quase na hora de ir embora o telefone tocou. Era Caio convidando-a para um chopp. A princípio Paola tentou se desvencilhar da situação, mas acabou cedendo, contanto que tomassem um vinho em sua casa, pois estava cansada demais para se produzir para um encontro, por mais previsível que este fosse. Caio topou e combinaram às 21:00h. Paola faria um risoto, desses de pacote que vendem no supermercado, e Caio fez questão de levar o vinho tinto.
Na hora combinada a campainha do apartamento soou. A mesa já estava arrumada; Paola de banho tomado, cabelos ainda molhados caindo no rosto, usava um vestido solto de alcinha e sandálias de salto médio. Tinha passado um lápis nos olhos, rímel e um gloss, só para não ficar com cara de quem havia voltado da guerra. Na pele, o suave aroma do hidratante corporal que usou depois do banho. Abriu a porta e viu Caio todo arrumado, perfumado, com uma garrafa de vinho e um buquê de rosas nas mãos e aquele sorriso mal-intencionado pendurado no rosto. Na mesma hora se arrependeu por ter aceitado a visita e teve certeza de que teria trabalho naquela noite. Jantaram e foram terminar a garrafa de vinho no sofá.
— Olha Caio, você me conhece bem, então eu vou direto ao ponto: as flores são lindas, o vinho está ótimo e o que você pretende com isso?
— Ah, Paola, eu acho que nem preciso dizer...
— Meu bem, você sabe que nós vivemos a vida de modos distintos, temos posições antagônicas; você é conservador e eu sou muito “porra louca”. A gente já sabe onde isso vai dar.
— Mas Paola eu...
— Espera, deixa eu terminar. Lembra do dia em que eu te propus irmos a um clube de suingue? Você quase se jogou pela janela de tão chocado! Eu posso até rever a cena: você ficou branco de susto, vermelho de vergonha, roxo de raiva e verde de nojo, só faltou desmaiar... parecia uma donzela.
— Peraí, você está duvidando da minha masculinidade???
— Claro que não! Aliás, essa é a última coisa que eu posso duvidar nesse mundo. Você é gostoso pra caramba. Só de estar aqui, te olhando e ouvindo a sua voz, eu já ensopei a calcinha. Meu corpo está
gritando: Caio! Caio! Caio!
— Então Paola...
— Nossa, eu adoro sexo, você sabe. Quando eu fico mais de uma semana sem transar, meus hormônios se rebelam e fazem um motim; eu fico intratável. Tudo bem, eu me masturbo; mas preciso sentir um pau na minha boceta, uma língua me lambendo... Só que não é só isso, entende? Eu quero um parceiro pra tudo. Olha só o jeito que você está me olhando...isso só por conta do meu vocabulário!
— Paola, escuta. Eu pensei muito no que você me disse no nosso último encontro e decidi que quero mudar.
— Maravilha, vai em frente!
— Mas eu preciso de você. Me ajuda, por favor. Eu não quero te perder.
— Ai, Caio... Sei lá...
Caio retirou a taça da mão de Paola e colocou-a sobre a mesa de centro. Aproximou-se e beijou-lhe o rosto, o pescoço e finalmente a boca. Paola, que já estava sob o efeito de vinho e de toda a sua carência sexual, entregou-se. Reclinando Caio no sofá, montou sobre ele e retirou o vestido. Estava só com uma minúscula calcinha de renda e os mamilos excitados. Caio massageava seus seios e os sugava avidamente enquanto Paola desafivelava o cinto da calça. As mãos de ambos se encontravam e se separavam para percorrer o corpo do outro e despí-lo; Caio, desesperado de desejo, rasgou a calcinha de Paola com um puxão, o que a deixou mais excitada ainda. Depois de livrar o corpo de Caio da última peça de roupa, Paola pegou o pau duro do amante e esfregou-o na entrada molhada de sua vagina, que foi engolindo aquele sexo lentamente, em movimentos ritmados, como uma cobra engolindo sua presa. Caio puxava Paola para si como se quisesse fundir-se a ela, como se quisesse alcançar o inalcançável; se contorcia e lutava para segurar o gozo, que estava prestes a explodir. Percebendo o momento, Paola sentiu o frêmito do seu orgasmo se aproximando, as ondas elétricas se espalhavam no seu sexo, acelerou o galope e cravou as unhas na carne de Caio. Este, sentindo a dor misturada ao prazer, não teve mais como resistir e lançou seu gôzo dentro daquela boceta maravilhosa que vibrava ao sabor dos espasmos de seu próprio orgasmo. Ofegante, Paola deitou sobre o peito de Caio e assim ficaram, sentindo coração um do outro, respirando no mesmo compasso, os sexos ainda unidos e úmidos.
[...]

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